Afirma o tradutor de Fernando Pessoa para o italiano (e grande apaixonado por Portugal) Antonio Tabucchi que, certa noite, um português de nome Pereira lhe pediu para se tornar personagem de um livro. Assim nasce este romance-depoimento ambientado na Lisboa de 1938, em plena ditadura fascista salazarista, no Portugal do “orgulhosamente sós”, com um protagonista igualmente solitário que começa por se afirmar apolítico mas que passa a ter cada vez menos certezas sobre o que afirmou a vida toda. O cenário histórico-político da trama se completa com o franquismo e a guerra civil na vizinha Espanha e a ascensão do nazismo na Alemanha. Pereira, pacato e melancólico viúvo de meia idade e saúde frágil, é diretor ― mas, na verdade, e com algum constrangimento, é ele a redação inteira ― da seção cultural de um modesto jornal da capital portuguesa, para a qual traduz inocentes contos franceses do século XIX e “mais do que isso não dá para fazer”, afirma.] Nosso herói de coisa nenhuma vive alienado apesar de jornalista, envolto em saudosismos e obsessões com a morte e os filhos que não teve, e suas interações se resumem inicialmente ao retrato da falecida esposa, ao padre que visita vez por outra e que o adverte que vá cometer uns pecados antes de o fazer perder tempo e ao garçom do café onde todos os dias consome, invariavelmente, omeletes e limonadas açucaradas. É quando decide contratar um jovem bacharel de filosofia como estagiário para escrever necrológios antecipados de escritores ilustres, que a vida apagada e previsível de Pereira começa a fervilhar num inesperado caminho sem volta. À medida que percebe estar lidando com um revolucionário que nada cumpre do que lhe é pedido e tudo politiza, Pereira questiona-se por que simplesmente não o demite e em vez disso age como se precisasse mais ele do inadequado estagiário do que este do emprego. A narrativa de Tabucchi envolve-nos lenta e deliciosamente no mundo interno em crise de Pereira, nessa inquieta jornada de tomada de consciência que o faz, aos poucos, emergir de uma zona omissa de conforto através de pequenas decisões rebeldes e autoconfiantes apesar das amarras onipresentes do regime autoritário. Com personagens que nos são ótimos companheiros de reflexão e transformação e um final construído de forma arrebatadora, esta é uma história sobre coragem essencial para qualquer tempo, mas especialmente oportuna no Brasil de 2021 ― afirmamos.
Editora : Estação Liberdade; 1ª edição (10 dezembro 2021)
Idioma : Português
Capa comum : 160 páginas
ISBN-10 : 6586068509
ISBN-13 : 978-6586068504
Dimensões : 14 x 1 x 21 cm