Sujeita à censura antes da primeira publicação em 1945, esta história traz uma crítica ao fascismo e à rígida noção de feminilidade que ele promoveu.
Das páginas dessa pequena joia da literatura italiana, vibram questionamentos sobre maternidade, trabalho doméstico e o autoritarismo contido em macro e microrrelações, sempre com acentos humorísticos, surrealistas e o instinto rebelde de Paola Masino. Demolidor, bem-humorado, amargo. E muito atual.
Saindo de seu amado baú cheio de migalhas de pão, livros e enfeites funerários esfarrapados, a protagonista é uma menina sem nome, rosto ou
endereço, ciente de seu destino: conformar-se às expectativas burguesas em relação à mulher, ter a imaginação selvagem controlada, e a inteligência, ocultada. Em suma, ser dona de casa. Temendo matar a mãe de desgosto por sua recusa a se enquadrar, concorda em se comportar como uma jovem "normal" e tornar-se desejável ao universo masculino. Em um caótico baile, celebra sua entrada na sociedade e começa uma nova vida no casamento com um tio mais velho, rico e de hábitos aristocráticos.
Como num conto de fadas às avessas, em que o fantástico e o surreal se infiltram nas malhas de um território ― geográfico e humano ― dominado por regras, repressão e controle de corpos e mentes, sobretudo os das mulheres, a Dona de Casa encontra no devaneio e nas reflexões mordazes as únicas vias para escapar da realidade que se impõe e sobreviver a esse embate.
Embora fique nítida a abordagem da luta da mulher para desempenhar papéis que não correspondem a seus desejos, e com isso todo um questionamento da maternidade e do trabalho doméstico invisibilizado, não foge ao olhar da autora o contexto histórico da Itália no auge da ditadura de Mussollini. Desafiando interpretações, a Dona de Casa de Masino continua sendo uma figura enigmática e desconfortável, cuja determinação insolente para desafiar os baluartes dos papéis femininos tradicionais ultrapassa os limites históricos e ressoa poderosamente entre os leitores contemporâneos.
QUEM FOI PAOLA MASINO?
Intelectual versátil e figura notável nos círculos literários e artísticos do século XX, Paola Masino (Pisa, 1908 ― Roma, 1989) produziu romances, contos, poemas e libretos de ópera e trabalhou como tradutora e jornalista. Em 1924, sua primeira peça, "Le tre Marie", recebeu palavras de encorajamento de Luigi Pirandello, que era um de seus grandes ídolos. O encontro com Massimo Bontempelli, já um escritor famoso e trinta anos mais velho, data de 1927: a relação sentimental e profissional vai durar a vida toda. Juntos, foram perseguidos pela ditadura fascista, mas isso não os intimidou no trabalho crítico ao regime em seus livros e inúmeros periódicos em que colaboravam.
POR QUE LER ESTE LIVRO?
• Escrito entre 1938-39, foi avaliado pelos censores do governo italiano e recebeu restrições. Refeito, foi impresso em Milão, mas a gráfica sofreu um bombardeio, e a tiragem toda se perdeu. Em 1945, foi enfim lançado, mais próximo da versão original.
• Combina gêneros (prosa, dramaturgia, ensaio) e recorre a elementos surrealistas, com a formação de imagens oníricas e nonsense, carregadas de profundas significações.
• Imperdível para interessados na relação entre psicanálise e literatura.
• As personagens representam instituições, hábitos, vícios e virtudes. Sem maniqueísmo nas relações, tudo é permeado pela força da materialidade histórica e das construções sociais.
Editora : EDITORA INSTANTE; 1ª edição (11 maio 2021)
Idioma : Português
Capa comum : 256 páginas
ISBN-10 : 6587342159
ISBN-13 : 978-6587342153
Idade de leitura : 16 anos e acima
Dimensões : 20.4 x 13.4 x 1.6 cm